DESTAQUEMEIO AMBIENTE

Organizações sociais tentam derrubar lei que alterou APPs urbanas permitindo ocupação de margens de rios

ONGs argumenta no Supremo que a lei não tramitou em tempo recorde e foi aprovada sem audiências públicas na Câmara e do Senado

Considerada um dos mais graves retrocessos ambientais no atual governo, a ação que permite a redução e até a eliminação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas margens de rios em cidades, está sendo contestada por organizações da sociedade civil como o Instituto Socioambiental (ISA), que protocolaram um pedido para entrar como amici curiae  (“amigos da corte”) da ação no Supremo Tribunal Federal (STF).

O amici curiae é uma instituição ou pessoa que fornece informações e auxilia as partes em um processo judicial.

Contra a proposta foi protocolada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em abril deste ano, pelo PSB, PSOL, PT e Rede sob o argumento de que a norma viola a Constituição, pedindo medida cautelar para suspender imediatamente seus efeitos.

Votado pelo Congresso no ano passado, o Projeto de Lei (PL) que originou a Lei n.º 14.285/2021, conhecida como

“Lei das APPs Urbanas”, tramitou em tempo recorde e foi aprovado sem audiências públicas, sem passar em comissões e em votações expressas nos plenários da Câmara e do Senado.

No final de 2021, a norma foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, em 29 de dezembro, deixando cada um dos 5.570 municípios brasileiros autorizado a reduzir ou mesmo eliminar as APPs hídricas dentro do perímetro urbano, possibilitando o desmatamento e a instalação de imóveis e empreendimentos de impacto nessas áreas sensíveis.

A medida altera o Código Florestal, que determina uma faixa de 30 a 500 metros para as áreas de proteção que não foram desmatadas antes de 2008, dependendo da largura do curso d’água, em todo país.

A Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se contra as alterações. O colegiado entendeu como inconstitucional a permissão para que municípios reduzam a proteção estabelecida pela legislação federal.

De acordo com o Código Florestal, as APPs são áreas essenciais para a manutenção do equilíbrio ecológico, prestando serviços ambientais como a preservação dos recursos hídricos, da biodiversidade e a manutenção dos solos, garantindo a estabilidade do solo e prevenindo catástrofes com enxurradas e deslizamentos de terra, como a que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro, em junho.

Novos desmatamentos e a instalação de novas ocupações e atividades poluentes de alto impacto ambiental nas margens de rios, sem qualquer estudo técnico são os pontos indicados como preocupantes, na ação assinada pelo ISA, Observatório do Clima, SOS Mata Atlântica, WWF Brasil, Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica e a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi).

Antes, apenas excepcionalmente atividades econômicas poderiam ser instaladas nessas áreas, sob justificativa de “utilidade pública, interesse social ou baixo impacto”.

Com a nova lei, qualquer empreendimento ou ocupação pode ser realizada nas margens de rios, desde loteamentos de casas até indústrias poluentes. A norma libera até mesmo atividades proibidas pelo próprio STF, como as de tratamento de lixo, que podem gerar contaminação dos rios.

Vários municípios já começaram a reduzir ou eliminar APPs de cursos d’água.

A petição também analisa a questão hídrica no país. De acordo com estudo do MapBiomas, em pouco mais de três décadas o país perdeu mais de três milhões de hectares de superfície coberta por água, área maior do que o estado de Alagoas, ou seis vezes maior do que o Distrito Federal. O problema tem relação direta com o desmatamento das APPs.

Na Amazônia, bioma qualificado como patrimônio nacional, o Rio Negro perdeu 22% de sua superfície de água.

O estudo analisou ainda 17 municípios da Amazônia Legal e da Bacia do Paraná, regiões de alta relevância para o equilíbrio ecológico nacional. Nesses municípios, 82% das faixas ciliares de 30 metros estão cobertas por vegetação. “O atual cenário hídrico brasileiro, de rápida perda de capacidade hídrica e de seguidas e crescentes crises de abastecimento público, intensifica a necessidade de proteção efetiva das APPs para a garantia de água para as presentes e futuras gerações”, argumentam as organizações ambientalistas.

Os impactos econômicos trazidos pela escassez hídrica vão além da crise de abastecimento para as residências. A redução de vazão nos rios afeta o transporte de commodities e o suprimento de alimentos. A agricultura irrigada sofre com altas nos custos e perdas de produção. No setor elétrico, o aumento de custos em 2021 foi generalizado não apenas na conta de energia, mas em todos os setores produtivos.

De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico, os reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste, que geram 70% da energia do país, operavam em 2021 com a mais baixa capacidade da história.

Foto: Agência Brasil

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