DESTAQUETURISMO

Abrigo de imigrantes japoneses, Bela Vista é rota do ecoturismo na zona rural de Manacapuru

Região é cenário obrigatório de visitantes de Manaus, do Brasil e do mundo que navegam em luxuosos navios-cruzeiros para conhecer rio, praias e ilhas fluviais que se formaram em frente à Bela Vista

Heliton Nogueira

Fundada por agricultores japoneses que vieram para o Brasil na primeira metade do século XX, o distrito rural ou apenas Vila de Bela Vista é uma das joias da “Princesinha do Solimões” – como é conhecido o município de Manacapuru – para os visitantes comuns, mas uma atração para os fotógrafos, cinegráficas que apreciam e extraem da natureza, os singulares posts capturados em suas lentes digitais e eternizadas pelas suas imagens registradas.

Os japoneses já não vivem mais aqui e, poucos registros da presença deles ficaram. Embora a imigração deles para o Amazonas esteja fartamente registrada nos livros e documentos oficiais do governo brasileiro. Na realidade, a inciativa do assentamento partiu do governo japonês, que em razão da crise no pós-guerra, não apresentava condições econômicas favoráveis para auxiliar financeiramente emigrantes.

Em pleno verão amazônico – fase anual entre os meses de agosto a outubro – o sol, o rio, a ilha, a praia e a hospitalidade do povo da Vila formam um leque harmônico para os visitantes que se aventuram em conhecer o local pitoresco. O flutuante “Sempre com Deus”, de “séo” Ladico e dona Ana é o ponto de partida e de chegada do visitante. De lá o visitante pode sair para as pescarias nos lagos dentro da “Ilha do Meio”, porção de terra que se formou nos últimos 40 anos, mas também pode ir mais longe à região Barroso, como também em outros berçários de peixes nas proximidades do Paraná do Manaquiri.

Pelo rio, se chega a Bela Vista de barcos particular ou navios-cruzeiros, partindo do porto de Manaus.  Via terrestre, o visitante pode chegar pela AM-070 – Rodovia Manoel Urbano – parar no km 55 e depois entrar no Ramal da Bela Vista. São apenas mais oito quilômetros de ramal que recebeu recentemente serviços de terraplanagem e pavimentação em toda a extensão, com a aplicação de concreto asfáltico, o que garante a trafegabilidade e facilita o escoamento da produção rural das comunidades existentes na região, com destaque para o ramal do Ararapá, Vai Quem Quer e o São Raimundo.

Além da produção hortaliças, frutas (maracujá, mamão, banana e outras culturas), foi construída uma granja moderna. O ramal também abriga pelo menos duas grandes fábricas de tijolos, o que aumenta a importância econômica para a comunidade e para o município de Manacapuru.

Um alerta aos gestores do Estado e da Prefeitura de Manacapuru: apesar da recuperação do ramal da Bela Vista ter ocorrido no final do ano de 2019, já existem trechos na estrada precisando de reparos.

Registro histórico

A Colônia de Bela Vista foi fundada pelo governo federal através da Colônia Nacional Agrícola do Amazonas (Cana), esta criada pelo decreto nº 8.506 de 30 de dezembro de 1941, assinada pelo então presidente da República Getúlio Vargas. No decreto foi definida a área de abrangência da Colônia: Manaus, Manacapuru e Codajás, numa área de 300 hectares, em terras doadas à União pelo governo do Estado do Amazonas através do decreto-lei estadual nº 735, de 16 de dezembro de 1941. A administração da colônia, pertencente à época ao distrito de Manacapuru, tinha como objetivo desenvolver a produção agrícola em escala suficiente para abastecer o mercado local.

Pertencente a região geográfica do D Vale ressaltar que, a princípio, denominava-se Colônia de Manacapuru, haja vista, na época, a região pertencer a este Distrito. No Japão foi enfatizado o lugar do assentamento como Manacapuru Ijûchi (literalmente Colônia de Manacapuru, constando até mesmo na Ficha Consular de Qualificação, mas com o tempo, passou a se chamar automaticamente Bera Bisuta Ijûchi, ou seja, Colônia Bela Vista.

O início do processo de assentamento dos colonos japoneses se estabeleceu após audiência entre o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, Tsukasa Uetsuka e Kotaro Tsuji, no dia 27 de setembro de 1951. Na ocasião, o presidente concede autorização para inserção de cinco mil famílias na região amazônica (HOMMA; FERREIRA, 2011, p. 198).

Na realidade, o projeto de assentamento partiu da determinação dos nipônicos em razão da crise no pós-guerra, o Japão não apresentava condições econômicas favoráveis para auxiliar financeiramente emigrantes.

Chegada da juta e malva

De acordo a escritora manacapuruenses, Beth Azize (ex-deputada estadual, primeira mulher a presidir a Assembleia Legislativa do Amazonas, a chegada dos japoneses a região de Manacapuru aconteceu numa manhã de domingo de 1937 como consta no livro “E Deus chorou sobre o rio” (Valer, 2018), na passagem que atribui a chegada da juta ao município de Manacapuru (AM) em uma aliança entre japoneses, sírio-libaneses e os judeus que vieram do Marrocos (norte do Continente Africano) e se radicaram naquela que viria a ser “a Princesinha do Solimões” .

“Os japoneses explicaram tudo a Gabriel. As sementes vieram para o Brasil escondidas na dobra da calça de um japonês, levando para o Médio Amazonas, plantou na zona de várzea, dando uma fibra muito bonita. Parintins era o único lugar que dava a fibra, e agora, os japoneses queriam fazer a experiência em Manacapuru, mas não conheciam ninguém, nem tinham terra. Era o ano de 1937. Domingo pela manhã”, diz um trecho da narrativa.

A produção da juta reacendeu a economia da região nos anos 50, 60,70 e 80, principalmente do distrito de Manacapuru. – Aqui relato um pouco da infância desse repórter. Na década de 80, a economia de Manacapuru fervilhava e até crianças a partir dos seus 10 anos tinham dinheiro do bolso.

“Ocorre que quando os pais estavam fazendo os feixes de juta, em torno de 60 quilos, os curumins faziam a limpeza do jutal e produziam pequenos feixes para os pais venderam quando chegavam à cidade de Manacapuru. A realidade econômica era tão boa, que havia cinco agências bancária no centro da cidade, a saber: Banco do Estado do Amazonas (Bea); Banco do Brasil; Caixa Econômica – situada na Praça 16 de3 julho, Banco da Amazônia (Basa); e o recém-chegado Bradesco, que ficava localizado em frente ao mercado municipal, Azize Dibo Mussa, na avenida Eduardo Ribeiro”, descreve Beth Azize em novo relato.

Campo de concentração?

Em 1942, “O Brasil, muito pressionado pelas relações externas, fez ações de contenção dos ‘inimigos de guerra’, que eram os estrangeiros do Eixo – os alemães, italianos e japoneses”, explica Priscila Perazzo, professora e pesquisadora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e autora de Prisioneiros da guerra: os “súditos do Eixo” nos campos de concentração brasileiros. “Então, o governo decide montar campos onde pudesse internar pessoas desses países”.

Especula-se que o governo brasileiro tenha disponibilizado terras da região da Colônia de Bela Vista para a construção de um Campo de Concentração. Em trecho narrado em “A Amazônia e os Acordos de Washington” registra-se o seguinte texto.

“Há um exército de trabalhadores na selva, cooperando com o Brasil e a América porque a borracha produzida irá fortificar a aviação e a moto-mecanização”, palavras do interventor do Amazonas Álvaro Botelho Maia (1942). “No intuito de isolar os estrangeiros perturbadores, a Interventora (governo estadual da época) destinou a antiga fazenda Nova Hamburgo, ora convertida em fazenda Baependí, no município de Manacapuru, para um campo de concentração”.

Apesar de o governo brasileiro ter planejado o campo de concentração, o mesmo não foi necessário, pois segundo relato do texto, “haviam apenas três alemães. Quanto aos agricultores japoneses, espalhados em Parintins e outros municípios do baixo Amazonas, estão sob vigilância policial. Os italianos, antigos residentes no Amazonas, não oferecem o menor perigo”.

Após pesquisa no Google nos deparamos com um nome de uma fazenda chamada de Novo Horizonte nas imediações da Colônia Bela Vista, mas comprovação do fato especulado, ainda vai ser necessário estudo do caso.

Quero registrar que a tese de mestrado de Linda Midori Tsuji Nishikido, sobre Hábitos alimentares esmerilados pelos imigrantes japoneses do pós-guerra no Amazonas (1953-1967), teve relevante contribuição no referido texto.

Fotos: Heliton Nogueira

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