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Linhão de Tucuruí pode imputar novo massacre contra ao povo Waimiri-Atroari

Alerta vem de lideranças indígenas preocupadas com as formas encontradas pelo governo para agilizar privatização da Eletrobras, decretando a obra como questão de “segurança nacional”, mas as polêmicas aparecem a cada minuto

Depois de sofrer vários ataques e massacres que quase representaram a extinção da etnia, o povo waimiri-atroari vem experimentando os desafios de uma nova ameaça, tão forte quanto aquelas ocorridas nos anos de 1974, no período da ditadura militar. A autorização para a construção do Linhão de Tucuruí, cujo objetivo é integrar Roraima ao Sistema Nacional de Energia Elétrica, pois o Estado vem sofrendo com apagões, vai atravessar 120 quilômetros da Terra Indígena Waimiri-Atroari.

A aprovação da Medida Provisória que estabelece a privatização da Eletrobras vai acelerar as ações para a implantação do linhão, mesmo sob protesto da etnia. Mas parlamentares e indigenistas destacam que a MP vai de encontro à Constituição Federal, que estabelece parâmetros para a emissão do Licenciamento Ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Área onde deverá passar o linhão de Tucuruí

O povo waimiri-atroari quase foi dizimado durante a ditadura militar no Brasil. Dados da Funai revelam que a população dele, que era de 3 mil pessoas em 1972, ficou reduzida em 1983 a apenas 350 sobreviventes. Atualmente, mais de 2 mil indígenas vivem na região, em 56 aldeias.

O governo decidiu acelerar o licenciamento ambiental do Linhão do Tucuruí, decretando a obra como questão de “segurança nacional”, mas as polêmicas aparecem a cada minuto.

As lideranças como o atroari Mário Parwé, que já iniciou os diálogos com os técnicos do consórcio, informou em entrevista à imprensa nacional, que os indígenas estão dispostos a autorizar a obra, caso haja um bom planejamento para evitar danos maiores à população.

Mas, segundo Parwé disse em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, “estão querendo repetir o conflito, passar o linhão na marra e a palavra na marra é o ponto de guerra, não é bom. Não queremos mais isso”.

Soberania e direito

Do lado do governo, fala-se em soberania, quando cita-se que, por meio da Funai, está acontecendo um processo de escuta dos waimiris, que vem se arrastando desde 2011 e por isso deverá ter “um tratamento jurídico próprio” por ser uma questão de “interesse nacional”.

O Ministério Público Federal (MPF) já se manifestou em nota, recomendando à Funai e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) que “se abstenham de promover qualquer espécie de fracionamento no processo de licenciamento ambiental”.

Na avaliação do MPF, o fracionamento desconsidera “o trecho que incide sobre a terra indígena” e a “a ausência de consulta prévia ao povo waimiri atroari podem configurar ato de improbidade administrativa, sendo passíveis de ação judicial”.

Leilão emperrado

Leiloado em setembro de 2011, o Linhão de Tucuruí nunca saiu do papel. Formado pela Eletronorte e Alupar, e concedido à Transnorte, deveria ser concluída em 2015, mas as empresas não conseguiram iniciar o empreendimento devido aos impasses ambientais e com a comunidade indígena. 

Após a aprovação da Medida Provisória 10.31, na sessão plenária da Câmara Federal no último dia 17, a deputada Joenia Wapichana (REDE-RR), repudiou o chamado “jabuti” inserido na MP, que autoriza a passagem do Linhão de Tucuruí, uma obra que já vem se arrastando há década na Terra Indígena Waimiri-Atroari, sem os devidos procedimentos como o licenciamento ambiental e sem ouvir os povos indígenas.

A alternativa que restará será a judicialização do caso pela falta de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas que é garantida pela Constituição.

Esse processo de consulta às comunidades indígenas ainda está em andamento. Joenia criticou também o fato da obra, que interliga os estados Amazonas e Roraima, não garantir a solução da energia para o estado de Roraima. 

Pó da morte

A nova ameaça aos waimiris-atroaris deve fazê-los lembrar dos anos de 1974 a 1983, quando grandes obras na Amazônia justificaram invasões e massacres.

Um desses relatos foi feito pelo indigenista Egydio Schwade, no relatório O genocídio do povo Waimiri-Atroari, após ouvir relato dos seus alunos de alfabetização que participaram de uma celebração na aldeia Kramna Mudî para uma celebração típica deles, na margem rio Alalaú.

Já com a presença de visitantes de várias aldeias, como Camanaú e do Baixo Alalaú, por volta do meio-dia, ouviu-se um ronco de avião ou de helicóptero se aproximando e pessoal saiu da maloca para ver. Nesse momento, o avião derramou uma espécie de um pó, matando praticamente todos os atingidos, exceto um. Foram 33 mortos.

O sobrevivente descreveu o ocorrido durante uma audiência judicial do Ministério Público Federal (MPF) realizada em 28 de fevereiro deste ano de 2021.

Na época, ainda adolescente, ele lembra de ter ouvido apenas o barulho da aeronave e depois ver os índios atingidos pelo veneno começar a sentir muito calor pelo corpo e ficar paralisados, sem poder andar, “muito doentes”, até morrer.

Genocídio

 O genocídio dos waimiri atroari prolongou-se até os anos 80, com três grandes projetos dentro desta terra indígena: a abertura da BR-174, a Manaus-Boa Vista; a construção da hidrelétrica de Balbina; e a atuação de mineradoras e garimpeiros interessados em explorar as jazidas em seu território.

O Plano de Integração Nacional (PIN) decretado pelo governo do general Emílio Garrastazu Médici, previa uma ocupação de 2 milhões de km2 na Amazônia e promoveu bombardeios em ataques aéreos, chacinas a tiros, esfaqueamentos, decapitações e destruição de locais sagrados eram outras formas de massacre por parte dos militares naquela reserva a partir de 1974.

Tiago Mauká Schwade, que é filho de Egydio e colaborou com o relatório, destacou que o caso dos waimiri-atroari é um dos mais documentados pelas diversas formas de violência contra um povo desarmado e indefeso.

Os depoimentos comprovam a utilização de armas químicas ou biológicas para exterminar os ocupantes da área, que virou alvo de mineradoras e garimpeiros. Na atualidade, o município tem a maior arrecadação do Estado, devido a mineradora Paranapanema, que explora cassiterita na área indígena pagando por isso aos waimiris.

O Brasil chegou a ser denunciado, no ano de 1980, no IV Tribunal Russell em Roterdã, Holanda, pelo genocídio dos waimiri-atroari e de outras aldeias indígenas. 

Fotos: Carlos Penteado e Foto Raphael Alves/ TJAM

Da redação

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