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Professor lamenta que amor pela cidade seja restrito a publicidade na época do aniversário

Por Ana Celia Ossame

Habitante atento ao movimento da cidade, que completa 351 anos neste sábado, Otoni Mesquita cobra dos professores comprometimento na formação de alunos cidadãos críticos e preparados para cobrar seus direitos como habitantes da cidade

Toda cidade está em constante transformação e é para entender isso que o jornalista e artista plástico Otoni Moreira de Mesquita, 67, doutor em História, diz não poder falar de um aspecto só de Manaus nos seus 351 anos de ocupação pelos navegadores portugueses em busca de escravos indígenas, como diz no livro “Manaus: História e Arquitetura- 1852-1910”.
Habitante atento ao movimento da cidade, que completa 351 anos dessa conquista no dia 24 de outubro, Otoni cobra dos professores o comprometimento de formar alunos cidadãos críticos e preparados para cobrar seus direitos como habitantes da cidade.

“É lamentável que apenas na data do aniversário, o amor que a cidade merece seja ‘declarado’ em peças comerciais e falas de políticos e empresários, sem na verdade, se concretizar nas ações governamentais”, explica Otoni, que é professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Por estar sempre caminhando pelas ruas, praças, orla dos rios e igarapés, Otoni observa esse movimento que, em Manaus, é desordenado, distorcido e confuso. Para ele, caminhar constantemente pelo Centro histórico da cidade, o faz testemunhar as agressões sofridas por essa parte mais antiga de Manaus.

Na visão dele, há uma distorção do conceito de desenvolvimento para a cidade. A partir da instalação da Zona Franca de Manaus, o conceito de desenvolvimento passou a ser de prosperidade, riqueza e isso acabou atraindo muita gente para Manaus, sem que houvesse infraestrutura para acolher tanta gente. O resultado disso, é uma cidade com excesso populacional, sem a contrapartida de infraestrutura necessária.

“Houve um crescimento doentio, porque ocorreu sem reflexão de como e para onde deveríamos crescer”, aponta o professor da Ufam, indicando a existência de múltiplas cidades dentro de uma só, a partir de territórios e olhares diferenciados, mas todos prejudicados pela falta de visão dos administradores que já passaram pelo poder executivo.

E com isso, mesmo os moradores com maior poder aquisitivo, cujas casas são verdadeiras fortalezas em condomínios de luxo, ao sair delas, têm que se confrontar com uma cidade desumana, esburacada, com trânsito caótico. “Essas pessoas isoladas precisam contatar com os demais, precisam dos serviços e mesmo que deem banho de álcool nas pessoas que chegam até suas casas, convivem com as desigualdades evidenciadas e acentuadas nesses tempos de pandemia”, explica Otoni, lembrando que a água que todos bebem na cidade vem do Rio Negro, depósito final de todo lixo e esgoto de Manaus.

Centro reflete desprezo

O Centro, com dezenas de prédios históricos abandonados, de acordo com ele, reflete o desprezo da pequena burguesia, orientada pelo progresso do sistema capitalista, para com a cidade.

E não há, segundo o professor, como cobrar do cidadão comum, amor por uma cidade pela qual trafega em ônibus superlotados e depreciados, que trafegam em ruas esburacadas, sem arborização, cujos igarapés são depósito de lixo que alaga a cada dele quando há chuva.

Ao cobrar a criação e execução de políticas públicas voltadas para a qualidade de vida da população, Otoni Mesquita critica a manutenção da ideia de obras faraônicas que pouco ou quase nada influenciam na melhoria da qualidade de vida do cidadão.

Mais grave ainda é o silenciamento de setores qualificados que podem apontar os erros e mostrar alternativas.

“Hoje, ninguém mais é ouvido e cada vez mais, os neófitos é que ocupam cargos municipais, estaduais e federais, sem conhecimento de causa, sem ligação afetiva com os problemas, sem comprometimento de buscar soluções”, afirma Otoni, lamentando ver as declarações de amor dos mesmos que agridem a cidade todos os dias.

Para ele, é preciso refazer os processos educativos porque só a educação pode mudar esse cenário de apatia e de desamor para com a cidade. “Os professores precisam ter comprometimento e formar cidadãos críticos, prontos para cobrar políticas públicas adequadas”, assegura Otoni, dizendo sentir falta de desse comprometimento, o que só contribui para a apatia da população.

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