Sistema de cabos da Embrapa reduz esforço humano e reinventa o transporte na Amazônia
Inovação criada para áreas íngremes e de difícil acesso transforma a rotina de extrativistas e fortalece o conceito de bioeconomia amazônica
O desafio de transportar produtos na floresta amazônica — da castanha-da-amazônia ao cupuaçu — sempre foi um teste de resistência física e engenhosidade humana. Em muitos territórios, homens e mulheres caminham longas distâncias carregando dezenas de quilos pelas trilhas que conectam as áreas de coleta aos pontos de embarque. Foi observando essa realidade que pesquisadores da Embrapa Amazônia Ocidental desenvolveram uma solução inspirada na própria paisagem da floresta: um sistema de cabos aéreos que reduz em até 80% o esforço físico no transporte de produtos extrativistas.
Mais do que uma inovação tecnológica, o projeto simboliza uma nova etapa na construção de tecnologias sociais amazônicas — soluções simples, sustentáveis e acessíveis, pensadas a partir das necessidades locais e do conhecimento tradicional.

A engenharia que nasce da floresta
O sistema funciona como uma espécie de tirolesa de carga, com cabos de aço suspensos entre duas torres fixadas nas margens de barrancos ou igarapés. As cestas de transporte deslizam sobre roldanas, levando castanhas, açaí, cacau ou outros produtos sem que seja necessário o carregamento direto por trabalhadores.
Nos testes realizados em comunidades de Manicoré e Boca do Acre, o equipamento reduziu o tempo médio de transporte de duas horas para 30 minutos, além de eliminar o risco de acidentes em encostas e travessias sobre córregos.
“A ideia surgiu da observação e da escuta. A floresta é cheia de obstáculos, mas também oferece as pistas para superá-los. Nossa missão é transformar isso em tecnologia útil e segura”, explicou Carlos Viana, pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental e um dos coordenadores do projeto.
A força da bioeconomia na prática
A aplicação do sistema de cabos vai muito além da mecanização do transporte. Ela se conecta ao conceito de bioeconomia inclusiva, ao valorizar o tempo e a segurança de quem vive do extrativismo e precisa escoar produtos de forma eficiente, sem degradar o ambiente.
Segundo a Embrapa, o projeto também contribui para reduzir as perdas de produção — comuns em períodos chuvosos — e incentiva a permanência de famílias nas áreas de manejo sustentável. A tecnologia tem custo baixo de instalação e pode ser adaptada com materiais regionais, como madeira certificada e peças metálicas reutilizadas.
Um caminho de volta ao saber local
Mais do que levar ciência à floresta, a Embrapa busca construir ciência com a floresta. Cada protótipo foi testado com a participação de comunidades extrativistas, que sugeriram ajustes e melhorias no funcionamento do sistema.
“A gente sente que a pesquisa está voltando o olhar pra nós. Antes, tudo vinha pronto de fora. Agora, é diferente: o pesquisador vem, pergunta, e a gente ajuda a construir”, conta Dona Iracema Silva, castanheira da comunidade Novo Horizonte, em Manicoré.
Essa interação mostra que o futuro da inovação amazônica está na integração entre o saber técnico e o conhecimento tradicional, onde o caboclo e o cientista caminham lado a lado.
Tecnologia como instrumento de permanência
A Amazônia enfrenta um paradoxo histórico: quanto mais distante e isolada é a comunidade, mais valioso costuma ser o produto que ela extrai. Mas o custo de escoar essa produção é o que mais impede o avanço da renda e da autonomia.
Inovações como o sistema de cabos da Embrapa são um convite à permanência e à dignidade no território — uma demonstração de que a floresta pode, sim, gerar prosperidade quando o investimento é em inteligência e respeito.