Jaguar, o traço que libertou consciências
Cartunista e fundador do Pasquim, morto aos 93 anos, deixa legado de irreverência e resistência democrática para o Brasil
O Brasil perdeu nesta semana um de seus maiores símbolos de resistência cultural e política: o cartunista Jaguar, morto aos 93 anos. Criador de um humor ácido, provocador e libertário, ele foi um dos fundadores do jornal O Pasquim, em 1969 — trincheira criativa contra a censura e a violência da ditadura militar.
Em tempos de silêncio imposto, Jaguar desenhou a coragem. Seus traços, muitas vezes escrachados e desconcertantes, eram mais do que charges: eram denúncias visuais, capazes de traduzir em segundos aquilo que muitos não podiam escrever. No humor, ele escancarava injustiças; na ironia, desmontava generais.
Um traço que marcou gerações
Para quem, como esta jornalista que assina o Valor Amazônico, entrou na universidade no rastro da abertura democrática, Jaguar não foi apenas cartunista: foi formador de consciências. Conheci, nos corredores da UFAM, meu companheiro de vida, Guaraciaba Tupinambá, com quem construí uma família crítica, engajada e herdeira de ideais de liberdade. Jaguar, com sua irreverência, também é parte dessa história — inspirando debates, leituras e convicções que moldaram gerações.
O Pasquim e a resistência
Em plena ditadura, O Pasquim ousou ser voz dissidente. Era irreverente, satírico, desobediente por natureza. Jaguar, ao lado de Millôr Fernandes, Ziraldo, Tarso de Castro e tantos outros, transformou humor em arma política, jornalismo em trincheira. O semanário circulava entre jovens, estudantes e militantes, alimentando uma cultura de contestação que ajudou a abrir fendas no regime autoritário.
Mais que charges, eram lições de resistência: ensinavam que não existe opressor que resista à criatividade de um povo.
Patrimônio da democracia
O legado de Jaguar não cabe em um obituário. Ele é patrimônio da democracia brasileira. Sua obra nos lembra que liberdade de expressão não é concessão, mas direito conquistado a duras penas — e que riso também é forma de resistência.
Hoje, em um Brasil que ainda enfrenta retrocessos e ameaças à liberdade, sua morte reacende a memória de que a democracia precisa de vozes críticas, de artistas inconformados, de herdeiros do traço que não se curva.
Jaguar se foi, mas deixou mais do que desenhos: deixou herdeiros, como nós, que acreditamos no poder da crítica, da arte e da palavra para manter viva a democracia. Sua obra continua a ser bússola para quem não aceita calar — e sua ausência é também convite à continuidade da luta.