DESTAQUEEDITORIAL

Liminar de Flávio Dino reafirma soberania, mas expõe dilema entre independência jurídica e integração global

A decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, de impedir que leis e decisões estrangeiras tenham efeito automático no Brasil, é um marco no debate sobre soberania nacional em tempos de interdependência global. Mais do que uma resposta a disputas jurídicas específicas — como os processos internacionais contra mineradoras pelos desastres de Mariana e Brumadinho —, trata-se de um posicionamento que vai muito além: afirmar que o Brasil não pode ser tutelado por legislações externas, sem o crivo do seu próprio Judiciário.

Ao sustentar que atos estrangeiros sem homologação nacional atentam contra a “soberania, a ordem pública e os bons costumes”, Dino traz ao centro do debate um princípio elementar do Estado moderno: nenhum país deve ser submetido a normas que não passaram pelo seu processo legal. Em um momento de tensões diplomáticas com os Estados Unidos — que recentemente aplicaram sanções a autoridades brasileiras —, a decisão soa como um freio às tentativas de impor a chamada “jurisdição extraterritorial” sobre cidadãos e empresas brasileiras.

Mas, se a defesa da soberania é inegociável, também é preciso olhar para os efeitos colaterais. Empresas brasileiras que atuam no comércio internacional, sobretudo na relação com os EUA e a Europa, podem ser obrigadas a cumprir sanções lá fora e, ao mesmo tempo, proibidas de aplicá-las aqui dentro. O resultado é insegurança jurídica e risco de retaliações econômicas, um dilema que ameaça desde bancos até cadeias de exportação ligadas diretamente à Amazônia, como mineração, energia e agronegócio.

O editorial não pode se furtar a um juízo de valor: a liminar é correta ao colocar limites ao avanço de legislações estrangeiras sobre o território nacional. O Brasil não pode abrir mão de sua autonomia judicial. Porém, o gesto de afirmação soberana exige que o governo federal e o Congresso construam, com urgência, mecanismos diplomáticos e jurídicos que deem segurança às empresas e aos cidadãos, evitando que a bravura no discurso resulte em fragilidade na prática.

Estamos, portanto, diante de um divisor de águas: a liminar de Flávio Dino reforça o protagonismo do STF na defesa da ordem interna, mas obriga o país a amadurecer sua inserção internacional. É hora de reafirmar nossa soberania sem nos isolar do mundo. É disso que se trata.

Portal Valor Amazônico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo