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Protestos pró-Bolsonaro revelam flerte com tutela estrangeira e tensão institucional

Atos em Manaus e outras capitais marcam pedido de anistia e apoio a Trump, num cenário em que a extrema direita brasileira desafia a soberania nacional e tenta se reerguer sem projeto concreto de país

Os atos realizados no domingo (3/8) por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em diversas capitais brasileiras, incluindo Manaus, trouxeram à tona uma faceta cada vez mais evidente da extrema direita nacional: a busca por legitimação externa diante do esvaziamento político interno. Com palavras de ordem pedindo anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e críticas virulentas ao Supremo Tribunal Federal (STF), as manifestações também surpreenderam (ou escandalizaram) ao estenderem bandeiras norte-americanas e homenagearem abertamente o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Manaus participa, mas sem protagonismo

Na capital amazonense, a adesão aos atos foi modesta, marcada por presença simbólica de grupos alinhados ao bolsonarismo clássico — comerciantes, membros de igrejas evangélicas e pequenas lideranças locais. A mobilização ocorreu sem grandes incidentes, mas reafirmou o apoio ao discurso de que há uma “perseguição política” ao ex-presidente, ignorando as provas apresentadas pelas investigações que envolvem a tentativa de golpe de 2023, as joias sauditas desviadas e o escândalo das milícias digitais.

A presença de cartazes com frases como “Intervenção já”, “Trump é nosso aliado” e “Moraes ditador” evidencia o discurso cada vez mais desconectado da institucionalidade democrática e embebido de teorias conspiratórias importadas da ultradireita internacional.

A contradição da extrema direita “nacionalista”

Nos protestos registrados em São Paulo, Brasília e outras capitais, o que mais chamou atenção foi a normalização de discursos que clamam por interferência estrangeira em decisões do Judiciário brasileiro. Em São Paulo, faixas exaltando Trump, agradecimentos pelas sanções impostas ao ministro Alexandre de Moraes e até bonecos do ex-presidente americano sendo carregados como heróis nacionais revelam um paradoxo gritante: os mesmos que discursam contra o “globalismo” e defendem uma soberania nacional rígida agora celebram a ingerência de uma potência estrangeira.

Esse comportamento escancara uma contradição moral e estratégica. Afinal, qual soberania está sendo defendida quando se aplaude uma sanção internacional contra um ministro da Suprema Corte do próprio país? Essa postura enfraquece o Brasil diante do mundo e expõe nossa democracia a riscos reais, especialmente quando setores políticos se colocam como representantes de interesses que ultrapassam a fronteira da autodeterminação.

Crise econômica e ressentimento como combustível

O pano de fundo desses atos é, indiscutivelmente, o desgaste econômico vivido por grande parte da população. Mesmo com indicadores positivos como a recuperação do PIB, redução da inflação e avanços na reindustrialização e na pauta ambiental, ainda persiste um sentimento de insatisfação em segmentos da classe média e do empresariado.

A precarização do trabalho, a inflação nos alimentos e a sensação de instabilidade ajudam a fertilizar o solo do ressentimento político. E é neste ambiente que a extrema direita se fortalece, não com soluções concretas, mas com a oferta simbólica de inimigos internos e aliados externos — o Judiciário como inimigo, e Trump como o salvador.

Ameaça à institucionalidade e à democracia

A tentativa de ressignificar a história recente do país — minimizando os atos de 8 de janeiro, pedindo anistia irrestrita e desacreditando o processo judicial — representa uma grave ameaça à institucionalidade democrática. Mais do que apenas defender um político, os manifestantes buscam reabilitar a ideia de que um projeto autoritário é legítimo se tiver apoio popular, mesmo que sem base legal ou constitucional.

Quando esses grupos defendem a substituição da vontade popular por uma tutela estrangeira, como sugerem os acenos a Trump, estão praticando um atentado à soberania e à Constituição brasileira.

O Brasil não é quintal de ninguém

A história recente mostra que nenhum país se fortaleceu ao ceder sua autonomia a interesses estrangeiros. O Brasil — com todos os seus desafios — deve suas conquistas democráticas à luta de gerações que resistiram à ditadura e à tutela militar, e não à interferência de Washington. Reproduzir hoje, em pleno 2025, discursos que glorificam a intervenção norte-americana é retroceder a uma lógica colonialista que o país já superou — ao menos institucionalmente.

Mais do que uma disputa de narrativa, os protestos do último fim de semana escancaram a urgência de reafirmar que soberania e democracia não se negociam. Elas se defendem com firmeza, inclusive contra aqueles que, travestidos de patriotas, sonham com uma república tutelada pela extrema direita global.

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