O que aconteceu com o “amai-vos uns aos outros”?
Por Dora Tupinambá (*)
Fernando tinha 17 anos. Não era militante, não era ativista, talvez nem soubesse definir o que é homofobia. Mas, sem pedir, tornou-se símbolo de tudo o que nos falta: compaixão, empatia, civilidade. Fernando foi espancado até a morte por dois colegas da mesma escola, da mesma idade, da mesma comunidade, na mesma cidade onde muitos ainda repetem que “bullying é coisa de criança”.
A suspeita? Ser gay. Mas, mesmo que fosse — e segundo a família, não era — isso justificaria a sentença de morte?
Vivemos uma época de retrocesso. A intolerância tem falado mais alto do que a razão. A violência tem sido justificada, minimizada, naturalizada. Estamos banalizando a vida. E mais: estamos autorizando adolescentes a matar porque alguém é “diferente”.
Os agressores de Fernando não só tiraram sua vida, como desonraram tudo o que há de mais sagrado no convívio humano: o respeito pelo outro. Onde erramos? Foi na escola que falhou? No lar? No Estado? No silêncio de quem viu e não fez nada?
É aqui que cabe a pergunta que ecoa como clamor: o que fizemos do “amai-vos uns aos outros como a si mesmos”?
A frase não é de militância. É do evangelho. Mas pode ser de qualquer religião, de qualquer valor civilizatório. Pode ser simplesmente um mandamento da convivência: amar, respeitar, proteger. Nada disso houve com Fernando.
Esse crime não foi isolado. É o reflexo de uma sociedade adoecida. Onde crianças já são ensinadas a odiar. Onde meninos viram justiceiros. Onde meninas têm medo de existir. Onde as escolas muitas vezes silenciam, os governos se omitem e os algoritmos replicam o preconceito.
Fernando morreu por um motivo torpe. Mas não morreu à toa. Seu nome precisa nos mobilizar. Que seja a última vez. Que seja o despertar.
A democracia não sobrevive sem humanidade. E nossa humanidade está em risco — não só pela violência que vemos, mas pelo silêncio que permitimos.
Quantos mais precisarão morrer até que entendamos que nenhuma orientação sexual, cor, fé ou origem social justifica a violência?
Fernando era um filho. Um estudante. Um menino. Tinha planos. Tinha amigos. Tinha um nome.
E agora, tem uma missão: ser lembrado como símbolo de resistência à barbárie.
“Amai-vos” não é conselho. É ordem de sobrevivência.
(*) Jornalista, colaboradora do Valor Amazônico