Garantido é campeão do Festival de Parintins 2025 e conquista seu 33º título
Com apresentações emocionantes, tema de forte apelo socioambiental o Boi da Baixa do São José vence por 11,5 pontos de diferença e reafirma sua força popular e cultural
O céu de Parintins ficou vermelho de emoção nesta segunda-feira (30/06), após a apuração dos votos que consagrou o Boi Garantido campeão da 58ª edição do Festival Folclórico de Parintins. Com um total de 3.421,5 pontos, o boi da Baixa do São José superou o Caprichoso, que somou 3.410,0 pontos, conquistando assim seu 33º título — uma marca histórica que reafirma o seu protagonismo na cultura amazônica.
Sob a presidência do jornalista, compositor e pesquisador Fred Góes, o Garantido apresentou nas três noites o enredo “Por Toda a Vida na Terra”, um manifesto artístico pela preservação da floresta, dos povos originários e da diversidade amazônica. A proposta estética do boi encarnado uniu força cênica, emoção poética, crítica social e religiosidade ancestral, garantindo a adesão da torcida, o respeito do júri e o encantamento do público.
Em sua primeira vitória como presidente, Fred Góes destacou o espírito coletivo do trabalho. “Este título é de cada artista, costureira, marceneiro, coreógrafo, compositor, do torcedor que canta com fé no curral e na arquibancada. O Garantido é o boi do povo, e a arena reconheceu isso. Foi um espetáculo com alma, verdade e compromisso”, afirmou, emocionado, ao fim da apuração.
Desde sua eleição, em fevereiro deste ano, Fred tem enfatizado o compromisso com a identidade do boi e com a valorização da cultura popular. Manteve David Assayag como levantador de toadas e apostou em um time técnico e artístico afinado com a essência do boi encarnado.
Enredo forte, ritual comovente e alegorias impactantes
As apresentações do Garantido em 2025 foram marcadas por momentos de altíssima intensidade estética e simbólica. O ritual de abertura com o pajé Raoni emocionou ao convocar os espíritos da floresta e propor uma cura coletiva. A cunhã-poranga Isabelle Nogueira brilhou com elegância e vigor, enquanto a porta-estandarte e o amo do boi mostraram sintonia e potência narrativa.
Entre os destaques, as toadas “Xamã Bahsese”, “O Povo Negro da Amazônia” e “Por Toda a Vida” embalaram os módulos temáticos com força poética e política. A alegoria “Mãe de Todos os Encantados” arrancou aplausos de pé ao simbolizar a sabedoria feminina e a ancestralidade amazônica como guias da humanidade.
Caprichoso brilhou, mas foi superado em detalhes
O Boi Caprichoso, que buscava o inédito tetracampeonato, apresentou o enredo “Cultura: o Triunfo do Povo”, com foco na resistência cultural, na memória e na espiritualidade indígena. Em três noites grandiosas, emocionou com a alegoria de Chico Mendes, o Ritual Yawanawá e o envolvimento da galera azul.
Com uma apresentação marcada por grande apuro técnico, o boi de arena somou 3.410 pontos, mas perdeu em quesitos decisivos como evolução, coreografia e desenvolvimento temático. Apesar da derrota, o Caprichoso sai do festival com prestígio mantido e espírito combativo renovado.
Apuração tensa e vitória apertada
A apuração foi acompanhada com tensão e lágrimas. A diferença de apenas 11,5 pontos entre os bois revelou o altíssimo nível da disputa. O sistema de julgamento, que considera três notas por item e descarta a menor, reforçou o equilíbrio técnico e exigiu excelência em todos os aspectos.
Antes mesmo de concluída a leitura das notas do segundo dia de festival, o presidente do Caprichoso, Rossi Amoedo e seus fiscais abandonaram o local de apuração, questionando a legitimidade da votação de um dos jurados.
Ao final, torcedores do Garantido explodiram em gritos de vitória e emoção, num misto de alívio e euforia que tomou conta da Baixa do São José. Em Parintins e em todo o Amazonas, a vitória foi celebrada como símbolo de resistência, justiça simbólica e reconhecimento do valor da cultura popular.
Beleza, crítica e consciência
O Festival de Parintins 2025 ficará marcado não apenas pela beleza visual e sonora de suas apresentações, mas também pela força das mensagens. Tanto Caprichoso quanto Garantido trouxeram enredos que dialogam com o presente, com as dores e esperanças da Amazônia, com as lutas dos povos invisibilizados e com a urgência ambiental.
O patrocínio de grandes empresas, como a Eneva — criticada por movimentos indígenas —, gerou debates sobre contradições entre discurso e prática. Ainda assim, o festival avançou em ações como a campanha contra o trabalho infantil, a arrecadação de mais de 70 mil alimentos e o protagonismo das organizações comunitárias.
O boi do povo, a vitória da cultura
Com o título de 2025, o Garantido reafirma sua essência: um boi que canta com o povo, para o povo e pelo povo. Em meio às luzes da arena, às lágrimas de vitória e aos batuques da tradição, o Boi Garantido mostrou que cultura se faz com memória, resistência e emoção.
E como diz a toada que ecoou nas três noites:
“É por toda a vida, é por toda a terra, é por cada coração vermelho que pulsa na floresta.”