DESTAQUEMEIO AMBIENTE

Garimpo ilegal e crime organizado: quem lucra com a destruição da floresta

Facções, políticos e empresários exploram ouro clandestino na Amazônia, alimentando violência contra povos indígenas, devastação ambiental e lavagem bilionária de dinheiro

A floresta amazônica continua sendo palco de uma guerra silenciosa. Atrás do brilho do ouro extraído de forma clandestina, escondem-se facções criminosas, empresários e políticos que movimentam bilhões em um mercado paralelo que destrói rios, ameaça povos indígenas e enfraquece o futuro do Brasil. O garimpo ilegal, longe de ser uma atividade de sobrevivência, consolidou-se como um dos braços mais lucrativos do crime organizado na região.

Relatórios oficiais apontam que facções como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) já controlam áreas de exploração em estados como Amazonas, Roraima e Pará. Eles financiam balsas, controlam pistas clandestinas e usam o ouro como moeda de troca para armas e drogas. O metal extraído de forma ilegal é posteriormente misturado ao ouro legalizado por meio de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), entrando no sistema financeiro e chegando a bancos, joalherias e até exportações para a Europa, EUA e Ásia.

Operações expõem o crime

As recentes operações federais escancaram o tamanho do problema. Em agosto de 2025, a Polícia Federal deflagrou a Operação Barões do Filão no Amazonas, prendendo quatro pessoas, cumprindo 12 mandados de busca e sequestrando bens avaliados em R$ 74,1 milhões.

Pouco depois, em setembro, veio a Operação Boiúna, no Rio Madeira: 277 dragas foram destruídas, causando prejuízo estimado de R$ 1,086 bilhão ao crime organizado.

“A organização criminosa estruturou um verdadeiro empreendimento ilegal, com divisão de tarefas, forte aparato logístico e vultoso capital, explorando ouro de forma predatória e lavando recursos em atividades lícitas.” — Polícia Federal

No sul do Amazonas, uma ação do Ibama desmantelou uma frente de garimpo e apreendeu bens de mais de R$ 1,5 milhão, entre acampamentos e maquinário.

“O garimpo ilegal não é uma atividade artesanal, mas sim empresarial, que causa danos irreversíveis à floresta e às populações locais.” — Ibama

Povos originários sob ataque

As Terras Yanomami, Munduruku e Kayapó estão entre as mais atingidas pela invasão de garimpeiros, que já chegaram a somar 20 mil homens apenas na Terra Yanomami até 2023. Além do desmatamento, o mercúrio despejado nos rios compromete a saúde das comunidades, contaminando peixes e levando a doenças neurológicas e má formação em crianças.

“O garimpo é o maior mal hoje na Terra Yanomami… se permanece, permanecem a contaminação, a devastação e as doenças.” — Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami

No Amazonas, comunidades ribeirinhas denunciam dragas que avançam no rio Madeira e no rio Jutaí, ameaçando ecossistemas inteiros e modos de vida tradicionais.

Política, lobby e retrocessos

A força do garimpo ilegal também se reflete na política. Bancadas ligadas ao setor mineral defendem projetos de lei que tentam liberar a mineração em terras indígenas e flexibilizar regras ambientais.

Em contrapartida, o Ministério Público Federal recomendou a destruição, em até 10 dias, de todas as balsas e dragas ilegais no Rio Madeira, entre Rondônia e Amazonas.

“A destruição imediata de balsas e dragas é a única forma de desarticular a atividade criminosa, que se reorganiza rapidamente quando o equipamento é apenas apreendido.” — André Luiz Porreca Ferreira Cunha, procurador da República no Amazonas

O custo da destruição

O garimpo ilegal pode gerar lucro imediato para poucos, mas deixa uma conta bilionária para toda a sociedade. Em 2023, o balanço das principais operações antigarimpo já havia superado R$ 1,1 bilhão em equipamentos destruídos ou confiscados.

Além dos impostos sonegados, o SUS precisa arcar com tratamentos de doenças causadas pelo mercúrio e pelas más condições de trabalho. O rastro de devastação na floresta acelera a crise climática e compromete os compromissos internacionais do Brasil. E a violência associada — homicídios, exploração sexual, trabalho análogo à escravidão — corrói o tecido social da Amazônia.

“Desde 2023, foram interceptadas e desativadas 1.566 balsas e dragas no Amazonas — mil só no trecho do Rio Madeira entre Borba e Calama.” — Joel Araújo, superintendente do Ibama no Amazonas

Resistência e esperança

Mesmo diante da ofensiva criminosa, há resistência. Organizações indígenas, pesquisadores da UEA e da UFAM, ONGs socioambientais e o Ministério Público Federal seguem denunciando, produzindo dados e pressionando por responsabilização. Operações federais têm mostrado que, quando o Estado atua de forma coordenada, é possível impor perdas bilionárias às redes criminosas.

Amazônia pede justiça

Se o pulmão do mundo sufoca, a responsabilidade não é da floresta, mas de quem a saqueia. Cada grama de ouro extraída ilegalmente significa destruição ambiental, sofrimento de povos originários e fortalecimento de facções criminosas.

A quem interessa esse retrocesso? A resposta é clara: aos que lucram com a ilegalidade e alimentam a engrenagem da violência. Cabe à sociedade exigir justiça, transparência e proteção para a Amazônia — antes que o ouro sujo pese mais do que a vida.

Fotos: Arquivo

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