PEC da Blindagem ameaça investigações sobre corrupção em emendas
Especialistas veem risco de retrocesso na transparência e aumento da impunidade parlamentar
A chamada PEC da Blindagem (PEC 3/2021), que condiciona a abertura de ações penais contra deputados e senadores à autorização prévia do Congresso Nacional, reacendeu o alerta de juristas e entidades de controle sobre os riscos de retrocessos no combate à corrupção.
Organizações como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a Transparência Internacional e o Instituto Não Aceito Corrupção apontam que a medida pode servir como um escudo corporativista para proteger suspeitos de desvios ligados ao uso de emendas parlamentares, hoje um dos instrumentos mais poderosos e polêmicos do Orçamento federal.
R$ 50 bilhões por ano sem rastreabilidade efetiva
Somente em 2025, as emendas individuais e de bancada somaram cerca de R$ 50 bilhões, valor que tende a se repetir em 2026. O crescimento desses repasses preocupa porque, segundo o diretor do MCCE, Luciano Santos, há um histórico de uso político e pouco transparente desses recursos.
“É de fora que está vindo o controle. É o Supremo quem está exigindo que o Congresso e o Executivo tenham práticas e medidas para evitar desvios. Não dá para fazer uma lei onde a autorização para investigar precisa vir do Congresso. A história demonstra que isso não dá certo”, afirma.
A fala ecoa dados recentes: só entre 2024 e 2025, o ministro do STF Flávio Dino suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas, determinou a investigação de 964 emendas do tipo “Pix” que somam R$ 694 milhões, e bloqueou repasses para nove municípios após auditorias da CGU encontrarem indícios de irregularidades em nove de dez cidades analisadas.
Risco de “ação entre amigos” e impunidade generalizada
Para o jurista Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, a PEC reforça um ambiente de autoproteção no Congresso.
“Eles já estão blindados, de alguma forma, pela falta de transparência. A PEC vai trazer uma tranquilidade a mais. É quase uma ação entre amigos. Quase todos, ou boa parte, está envolvida em ações suspeitas no pagamento de emendas. Eles vão ter interesse de se proteger mutuamente”, avaliou.
O coordenador da Central das Emendas, Bruno Bondarovsky, também alerta que a proposta pode agravar o mau uso do dinheiro público:
“A transparência já é limitada devido ao modelo atual, que pulveriza os recursos sem o devido controle. A eficiência alocativa é baixa por haver poucas restrições técnicas. Se as investigações ficarem limitadas, essas emendas serão um ralo que pode inviabilizar o país.”
Histórico de proteção mútua no Congresso
A Transparência Internacional lembrou que, entre 1998 e 2001 — período em que vigorou regra semelhante —, o Congresso barrou 253 pedidos de investigação contra parlamentares e autorizou apenas um. Já o Instituto Não Aceito Corrupção classificou a proposta como uma tentativa de criar uma “casta de intocáveis”.
“O que se propõe é a criação de uma verdadeira casta com alcunha jocosa de prerrogativa parlamentar, afrontando-se o princípio da isonomia constitucional”, afirmou a entidade.
Congresso alega “proteção contra perseguição política”
Os defensores da PEC, como o relator Claudio Cajado (PP-BA) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), argumentam que a medida protegeria o mandato parlamentar contra “interferências indevidas do Judiciário” e “perseguições políticas”.
“Quem cometer crime vai pagar, uai. É simples assim”, disse Nikolas durante a sessão.
Para os críticos, porém, esse discurso não se sustenta. “É absolutamente impossível acreditar que isso aconteça”, rebateu Luciano Santos, do MCCE. “O corporativismo efetivamente protege. A autoproteção ali é enorme.”
Disputa aberta entre STF e Congresso
A execução das emendas parlamentares tornou-se um dos pontos mais sensíveis na relação entre Supremo e Congresso. Em março deste ano, os parlamentares aprovaram novas regras para essas transferências com base em exigências do STF, mas especialistas avaliam que as mudanças foram insuficientes para garantir transparência e rastreabilidade dos recursos.
A possível aprovação da PEC da Blindagem ameaça reverter os avanços recentes e abrir brechas para que bilhões do orçamento federal sigam sendo usados sem controle efetivo e sem possibilidade de investigação independente.