DESTAQUEMEIO AMBIENTE

Aproximadamente 90% das medidas econômicas realizadas na pandemia têm impacto negativo na Amazônia

É o que revela o estudo “Economia Verde na Amazônia no Contexto da covid-19: o capital natural no centro das decisões políticas e econômicas”

Apesar da Amazônia ter o potencial de ser peça-chave na recuperação da crise econômica, causada pela pandemia da covid-19, a região não foi considerada na elaboração e implementação de medidas de recuperação do Brasil. As principais atividades econômicas fomentadas no país representam um risco ao bioma, às populações locais e ao clima no planeta. De fato, 87,2% das medidas de estímulo econômico adotadas durante a pandemia têm impacto negativo na região.

É o que revela o estudo “Economia Verde na Amazônia no Contexto da Covid-19: o capital natural no centro das decisões políticas e econômicas”, coordenado pelo Hub de Bioeconomia Amazônica. O Hub é uma iniciativa vinculada à Green Economy Coalition (GEC) e secretariada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) que visa acelerar a transição para economias verdes e justas na Amazônia. O estudo foi lançado, neste mês, em evento on-line transmitido pelo canal da FAS no YouTube. O documento completo pode ser acessado aqui.

A pesquisa, realizada em parceria com o Programa “Economics  For Nature”, da Green Economy Coalition (GEC) e suporte metodológico do International Institute for Environment and Development (IIED), traçou um panorama sobre o impacto das medidas políticas, econômicas e fiscais adotadas pelo Governo Federal, entre 2020 e 2021, para influenciar planos de recuperação econômica verde no Brasil tendo como foco os estados da Amazônia Legal.

Entre os principais resultados do estudo, está que 87,2% das medidas econômicas de recuperação, que incluem créditos e subvenções para o setor agrícola em aproximadamente  R$ 47,2 bilhões e a flexibilização da mineração, impactam negativamente a Amazônia; enquanto apenas 9,7% das medidas são de impacto positivo, como aquelas voltadas para agricultura familiar e economia de baixo carbono e bioeconomia, por exemplo.

Capital natural desvalorizado

De acordo com o consultor socioambiental responsável pelo estudo, Carlos Rigolo, as ações orçamentárias de 2021 positivas para a Amazônia sofreram cortes e a agropecuária foi o principal setor priorizado – o que aumenta a pressão sobre as florestas.

“Foram realizados gastos extraordinários voltados para minimizar os efeitos socioeconômicos causados pela pandemia, mas o capital natural não foi considerado um norteador destas medidas”, apontou.

A atuação do governo brasileiro é contrária ao relatório do Fórum Econômico Mundial, que mostra que priorizar a natureza e integrar o capital natural na tomada de decisões econômicas em meio à pandemia de Covid-19 poderia criar 395 milhões de empregos e mais de U$ 10 trilhões até 2030.

Entre as recomendações do estudo para melhorar este cenário, Rigolo destacou o incentivo à agricultura familiar e ao baixo carbono, fortalecimento do monitoramento e controle da bioeconomia, impulsionamento de projetos de infraestrutura verde e da bioeconomia.

“É assumir a bioeconomia como uma missão, a ideia de governança é relacionada a conectar indivíduos, organizações, agências e instituições que possam contribuir para o desenvolvimento do setor. Sobre o combate ao desmatamento, não dá para falar em  retomada verde sem mencionar o principal obstáculo que é a expansão da criminalidade ambiental sob o pretexto da necessidade de explorar os recursos naturais. Precisamos superar urgentemente, senão a discussão não faz sentido”, concluiu o consultor.

Perspectivas dos setores

Entre os participantes do lançamento do estudo, esteve a diretora de Mudanças Climáticas da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará, Camille Bemerguy. Ela destacou a importância do estudo do Hub como apoio ao planejamento de iniciativas verdes, como o Plano Estadual Amazônia Agora, implementado com o objetivo de levar o Pará à neutralidade climática na área de uso da terra e florestas antes de 2036.

De acordo com a especialista, é preciso conciliar teoria com prática para que as ações dialoguem e conversem com os públicos a quem elas se destinam. “Se o incentivo não tiver um desenho com as características desse público, não vai chegar na ponta. […] Precisam ser bem desenhados para não correr o risco da superexploração”, diz ao citar o exemplo do açaí.

O estudo lançado também elaborou uma série de recomendações para cada eixo do Plano de Recuperação Verde da Amazônia Legal (PRV), lançado em julho de 2021 com diretrizes e prioridades para a região. São eles: freio do desmatamento ilegal, desenvolvimento produtivo sustentável, tecnologia verde e capacitação e infraestrutura verde.

“Não adianta pensar em uma infraestrutura verde isoladamente. As recomendações do estudo trazem um ponto base de como nós da Amazônia vamos nos reunir para levar isso como política de defesa, senão vamos cair de novo em ações de ciclos curtos de desenvolvimento que não trazem a transformação efetiva que buscamos”, observou a diretora.

Outro especialista que comentou o estudo foi o professor do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (GEMA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carlos Young. O docente afirmou que o estudo tocou na ‘ferida’, que é a priorização de atividades econômicas predatórias no Brasil.

“Não adianta fazer mil programas de sustentabilidade enquanto o grosso do incentivo for para a atividade predatória. […] Bioeconomia não é apenas cuidar da floresta, é cuidar da população, dar qualidade de vida como um todo e essa população em melhor condição de vida vai poder gerar um novo ambiente saudável. Esse é o trabalho que a FAS e outras instituições têm desenvolvido ao longo da Amazônia e toda a América Latina. Porém nada disso vai funcionar se continuarmos com uma estrutura perversa de incentivos. Lamentavelmente, ao invés de estar avançando, estamos regredindo cada vez mais. O estudo é fundamental, porque coloca muito claramente a necessidade de priorizar o sustentável e parar de priorizar o predatório”, declarou. 

Para o coordenador do programa de Biodiversidade do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Federico Vignati, o estudo foi esclarecedor e uma peça importante para avançar as recomendações em prol da bioeconomia na Amazônia. Ele citou ações da agenda verde da CAF.

“Estamos trabalhando com biocomércio, bioeconomia, iniciativas para orientar cadeias de valor, diferentes atividades extrativistas, turismo e conservação de áreas naturais. Vamos lançar nesse ano a iniciativa latino-americana para mercado de carbono com o objetivo de impulsionar a qualidade da oferta de créditos de carbono da nossa região a nível global. […] O Brasil tem um grande trabalho pela frente e precisamos de pessoas que puxem a agenda verde para intercambiar expertises e gerar um grande mercado de soluções para a economia que estamos precisando”, disse Vignati.

Amazônia no centro

Para o superintendente-geral da FAS, Virgilio Viana, que moderou o evento de lançamento, o estudo representa um avanço para tornar a Amazônia e as instituições que trabalham nela protagonistas do pensar economia verde no mundo.

“Queremos consolidar o Hub de Bioeconomia Amazônica como um aglutinador de debates. Queremos não só trazer o debate internacional para cá, mas também alimentar o debate internacional a partir de uma perspectiva amazônica. Temos que valorizar o protagonismo das instituições baseadas na Amazônia, sem perder de vista a ciência. Temos que trazer as melhores cabeças para se juntar a nós que estamos aqui no front”, finalizou o superintendente-geral.

Sobre o Hub de Bioeconomia Amazônica

É uma iniciativa vinculada à Coalizão pela Economia Verde (Green Economy Coalition, em inglês) e secretariada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) com 54 organizações envolvidas (sociedade civil, empresas, trabalhadores, governos, agências internacionais da ONU e acadêmicos).

Desde setembro de 2020, desenvolve soluções para acelerar a transição para uma economia verde, justa e inclusiva na Amazônia através de uma abordagem sistêmica e integrada que opera a partir de quatro eixos estratégicos: geração de conhecimento,  articulação intersetorial, advocacy e mecanismos financeiros, contribuindo assim para a alavancagem da bioeconomia amazônica, favorecendo a construção de capacidades locais e conectando iniciativas em rede que subsidiem a incidência de políticas subnacionais e a condução de novos fluxos financeiros para a região amazônica.

Foto: Divulgação

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