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Sem interrupção da circulação comunitária não haverá controle da pandemia, alerta pesquisador da Fiocruz

Jesem Orellana defende lockdown de 21 dias no AM para redução da contagem de mortos, pois diz ser inócuo tentar controlar epidemia dentro dos hospitais, já que o controle tem que ser fora.

Se não houver a interrupção da transmissão comunitária do vírus, não adianta abrir leito, não adianta mandar gente para fora, não adianta trazer oxigênio. “Quem opta pelo controle da epidemia dentro do hospital, opta pela morte e não por salvar vidas”, afirma o epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas e Maria Deane, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazônia, ao defender um período de lockdown por pelo menos 21 dias.

Jesem lembra que tanto as pessoas quanto os tomadores de decisão, a sociedade e a ciência, inclusive, precisam ter cada vez mais claro essa certeza: epidemia só pode ser controlada fora do hospital e não dentro do hospital.

Autor de alertas contínuos sobre a iminência do colapso do sistema de saúde em meio ao que ele considera ser uma segunda onda de casos do novo coronavírus no estado do Amazonas já há algum tempo, Jesem assegura que o nosso problema não é a questão do oxigênio, mas a produção de casos novos de infecção pelo novo coronavirus com essa nova variante na população, que não para de crescer.

“A pessoa se infecta hoje, daqui a 20 dias ela vai precisar de oxigênio. Não adianta abrir leito, não adianta mandar gente para fora, não adianta trazer oxigênio se você não interrompe a transmissão comunitária”, afirmou ele.

“A única expectativa que a gente tem é um lockdown rigoroso, que pode começar a ter efeito daqui a duas, três semanas. A gente continua no precipício. Por acaso a gente viu diminuir a demanda hospitalar em Manaus? Não. Você, por acaso, viu diminuir a quantidade de mortos em Manaus? Não. Você, por acaso, viu interromper a contaminação comunitária? Não. Então o problema continua. Só que está todo mundo cego, achando que o problema de Manaus é oxigênio”, advertiu o pesquisador, fazendo apelo para que se tentar tirar uma lição dessa experiência de Manaus, não só no Brasil, mas também na humanidade.

Medidas inócuas

O toque de recolher decretado pelo Governo do Estado das 19h às 6h é inútil, segundo o pesquisador, porque o vírus corre livre e incansavelmente das 7h às 19h. “As pessoas continuam se aglomerando nas padarias, nas farmácias, nos supermercados, nas feiras, no comércio, que ainda funciona. Então, é um tiro no pé. A única solução que nós teremos para Manaus de curto prazo é um lockdown rigoroso, de pelo menos 21 dias, porque aí você consegue reorganizar não só a resposta frente ao controle da epidemia na comunidade, como também do próprio Plano Municipal de Vacinação”, alerta.

Jesem, no entanto, lamenta a prevalência da política de contar mortes, mostrando que ninguém está preocupado em salvar vidas.

No entendimento dele, se o lockdown tivesse sido feito em setembro do ano passado, junto a outros desdobramentos para dar continuidade à contenção viral, provavelmente nem estaríamos ouvindo falar em tragédia sanitária em Manaus ou em nova cepa.

A transferência de pacientes para outros estados, cria pelo menos três tipos de problemas, afirma o pesquisador.
O primeiro é que você pode perder a vida desse paciente durante o trajeto. O segundo é perder a estatística desse indivíduo caso ele vá a óbito. E o terceiro, e talvez mais dramático, é que você pode estar levando a nova cepa para lugares que ainda não tinham contato com ela, pondera ela, destacando que essa cepa aparentemente tem maior infectividade do que as até então documentadas no Estado do Amazonas.

“Isso é algo sobre o que a gente precisa refletir bastante. O nosso principal problema, além da falta de oxigênio, não é a falta de anestésico, falta de antibiótico, falta de analgésico para controlar a dor de gente que não consegue respirar sem oxigênio. Nosso problema é falta de profissionais de saúde qualificado. O nosso problema principal não é dentro do hospital, mas fora, sempre esteve. E não é só em Manaus, é no mundo todo. A epidemia não pode ser controlada dentro do hospital. Quem foca no hospital está assumindo a política de contar mortos e não de salvar vidas”, afirma Jesem Orellana.

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