CIDADANIADESTAQUE

Julgamento do Marco Temporal pelo Supremo mobiliza lideranças indígenas no Amazonas

Entidades indígenas de todo o País estão debatendo e buscando esclarecer o STF e a sociedade sobre os riscos desse projeto que deixará desamparados milhares de índios e suas comunidades

Ana Celia Ossame

O julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Marco Temporal sobre os direitos dos povos indígenas às suas terras ocupadas, marcado para acontecer no próximo dia 28, está mobilizando as entidades e organizações indígenas do Estado. O Marco Temporal é uma ação visando determinar que os índios só podem reivindicar terras ocupadas no dia da promulgação da Constituição brasileira em 1988, defendido pelos ruralistas e empresas ligadas à agropecuária.

Manifestação em frente à sede do STF, em defesa do direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras tradicionais

Para Cristiane Soares Baré, advogada da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), entidade com presença em nove estados da Amazônia Brasileira (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), o STF poderá dar a palavra final sobre a tese do “marco temporal” e fazer a justiça prevalecer, garantindo a própria existência dos indígenas.

Ao repetir a tese que vem ecoando por várias lideranças no País, afirmando que a história dos índios no Brasil não começou em 1988 e nem deveria terminar a partir daquele ano, Cristiane alerta que uma eventual aprovação desse marco traria um retrocesso cujas consequências seriam desastrosas.

A advogada cita a teoria do indigenato, elaborada pelo jurista João Mendes Junior, em 1902, cujo argumento diz que o direito à terra é congênito. O autor se amparou em documentos que datavam do período colonial: o Alvará de 1º de abril de 1680, sancionado pela Lei de 6 de julho de 1775, que estabeleceu que em “terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas, explica ela, replicando as vozes de várias lideranças e organizações no Brasil. 

Outro ponto destacado é que todas as constituições brasileiras a partir de 1934 resguardaram os direitos indígenas e embora a de 1988 tenha estabelecido um prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas, isso não aconteceu.

Decisão sensata

O professor Gensen Baniwa, 55, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), espera uma decisão sensata do STF. Para ele, o Marco Temporal é uma invenção jurídica cujo objetivo é legalizar uma tese anticonstitucional que vai abrir as fronteiras das terras indígenas para atividades que vão representar, definitivamente, o fim da história dos povos indígenas. “Se for aprovado, o Marco Legal vai trazer o extermínio quase conseguido na década de 70 do século passado, quando a população ficou reduzida a pouco mais de 50 mil indígenas”, observou.

Atualmente, existem no País, de acordo com dados do IBGE, 305 povos indígenas com uma população estimada em 1,1 milhão, cálculo este atualizado pelo Núcleo de Estudo de População (Nepo) da Universidade de Campinas (Unicamp) a partir de dados do censo do IBGE. Mas na Amazônia, de acordo com Gersem, existem três povos indígenas com apenas três pessoas, ou seja, três etnias compostas apenas por três pessoas e se morrerem significa que o mundo perderá três sistemas de conhecimentos, três culturas e tudo o que isso representa.

Expectativa

Um dos fundadores e ex-dirigente de organizações como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Gersem explica que o marco temporal é uma tese cuja intenção evidente é restringir ou negar os direitos dos povos indígenas.

“Nossa expectativa é que o Supremo mantenha os direitos constitucionais dos indígenas que não começa em 1988, porque existem leis antes desse período. Estamos aqui apreensivos, mas confiantes e estamos mobilizados, intensificando os debates via on line, com a realização de lives e envio de documentos via Internet, para esclarecer os ministros e mobilizar a opinião púbica”, explica o professor.

Ao assegurar que o marco temporal é um argumento das forças conservadores que sempre foram contra os direitos indígenas, Gersem explica que o desejo dos empresários são os recursos dessas terras indígenas, sobrepondo o direito à vida e ao meio ambiente.

Para ele, como o Supremo tem defendido a Constituição e tem, historicamente, garantido o direito dos indígenas, a expectativa é ver assegurado o direito originário, o que os técnicos chamam de indigenato, princípio pelo qual serão preservados os direitos dos povos indígenas, cuja presença no País antecede a chegada dos colonizadores. “Eu acredito na democracia brasileira, na força do povo, que deve refletir na opinião do Supremo, a não se deixar se guiar pela ideologia emergente da ocupação a qualquer preço, mas pela via da democracia”, finalizou.

Cimi

O indigenista Guenter Francisco Loebens, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), afirma que esse marco tem sido usado pelo atual governo para parar todo tipo de demarcação de terra e até fazer retroceder os processos de demarcação já em andamento. “A aprovação desse marco temporal será muito grave, pois dá uma nova interpretação aos direitos indígenas”, afirmou Guenter, indicando o perigo representado pela alteração da lei para a segurança dos povos.

Fotos: Divulgação/Cimi

Pular para o conteúdo