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A pandemia e o desnudamento da democracia disfuncional no reino de Nenhures

Por Antônio Siemsen Munhoz

Conheça um pouco mais de perto como pensam e agem os títeres do festival de besteiras que assola o país.

Como era nenhures?

Aconteceu em Nenhures. Um esperto bandido e sua caravana chegavam a um reino que vivia em péssimas condições de bem-estar social. Uma pandemia tinha chegado até lá. Custava em evadir para outros reinos. Teimava em não sair antes da chegada da vacina. Reis não gostam muito de pandemias. Elas revelam suas fraquezas e os múltiplos erros cometidos. Também não gostam de bandidos. Eles são seus adversários naturais. Ambos sabem esconder suas más ações. Quem mandou os súditos terem o escolhido?

O que acontecia em nenhures?

Nada acontecia em Nenhures! A democracia era substituída por desvarios de um dignitário autonomeado como salvador da pátria. Suas atitudes escancaravam portas para o autoritarismo. Desta vez, sem necessidade de pegar em armas. Aliás, elas não mais precisavam serem vendidas à socapa. Agora havia um decreto que as colocava nas mãos dos despreparados. A autodefesa contra moinhos de vento ocorria com o beneplácito da lei. Os exemplos de seu desvario estabeleciam o desrespeito total ao coletivo em detrimento do individual. Todos os que tinham um pouco de autoridade batiam no peito, e perguntavam a quaisquer que os interpelassem: você sabe com quem está falando? Documentos legais eram rasgados e jogados ao vento. Como espetáculo circense era impressionante. Como ato da realidade representava o desvario que vinha de cima. Enquanto isto, lá fora, nas vielas das favelas, a vida surpreendia a todos pela resistência de seus moradores.  O arquiteto desta distorção social era procurado para ser punido. Mas nunca era encontrado, pois estava escondido no reino do inferno. As favelas enfeiam o reino. Mas como todos queriam agradar ao rei, eram elogiadas como obras maravilhosas. Como algo que apresenta alta eficácia e higidez, além do aproveitamento total dos espaços disponíveis. O povo é que reclamava sem razão, chefiado por alguém da oposição comunista.

A chegada das colaboradoras à nenhures

As colaboradoras foram recebidas pelo rei. Ele ficava sensibilizado com súditas bonitas que elogiam sua beleza. Decerto estava escondida no entremeio de hirsutas barbas mal feitas. Porém, era exaltada por todos. O astuto bandido foi pintado como sendo o melhor alfaiate de todos os tempos. Imediatamente foi chamado ao palácio. O rei pediu a melhor roupa. Uma que impressionasse a todos. Seria uma forma de recuperar seu prestígio, deslustrado devido à exoneração dos ministros mais queridos pelo povo. Eles iam sendo substituídos por um bando de desvairados e radicais adeptos de um fanatismo absurdo. Eles se vangloriavam de serem amigos do rei. Os preferidos e aos quais são permitidas quaisquer barbaridades. Ele os defendia com as três armas do reino jogadas contra o povo que deviam defender. Havia um único cuidado. Não colocar asas de fora e tentar superar o rei em seus níveis de popularidade. Eles eram sabiamente forjados por órgãos de captação da opinião pública.

Os fugitivos de Belzebú

Nas proximidades estava o reino de Belzebu (o reino de todos os males). Muitos fugiam de lá. Todos eram admitidos como auxiliares diretos pelo rei de Nenhures. Ele queria bem a todos os que saiam do reino de seu compadre. Ele era injustamente acusado pela abertura da caixa de Pandora. Aquela mesma que continha todos os males do mundo. Foram eles que de lá trouxeram a Internet. Junto com ela veio o novo fenômeno de comunicação: as Fake News. Elas inundaram o reino. Ninguém mais sabia a quem seguir. O melhor era seguir ao rei. O nepotismo havia assumido o gabinete do mal. A ele cabia o insano trabalho de implantar a novilíngua[1]. Dicionários tinham definições voláteis. Eram impressos e reimpressos como os diários oficiais do reino (DOR) de acordo com a vontade do rei e seus ministros. Muitos deles aproveitavam a atenção dada por todos à pandemia para mudar leis e criar decretos tresloucados.  

A chegada do ladrão alfaiate ao reino de nenhures

O ladrão alfaiate chegou ao reino com a melhor roupa do butim recolhido junto ao rei do país vizinho. O rei ficou impressionado. Recebeu a promessa de ganhar o corte de uma nova roupagem. Algo realmente real, inconsútil,  e que impressionaria aos simples mortais. Custava muito caro. Mas boa parte do dinheiro era proveniente de impostos recolhidos dos súditos. O alfaiate escolheu o mais recôndito local do palácio. As súditas mais bonitas teceriam a roupa real. Rolos de linha de ouro foram consumidos a mancheias. Ninguém de fora enxergava nada. Os serviçais calavam quando viam todos aqueles rolos serem levados para fora da praça dos três poderes do   planalto. Eles existiam somente para inglês ver. O poder do rei era o único a ser respeitado em Nenhures.

O passeio vai começar

Finalmente o dia chegou. A roupa estava pronta em um cabide. O local estava iluminado com fortes luzes que cegavam a todos. Tudo ali era bonito e feito como resultado do desmatamento desbragado praticado no reino por um ministro que deveria lutar contra ele. Nas reuniões ficava sempre à esquerda do ministro da educação que odiava índios, negros, e todas as outras minorias. Ninguém via nada, mas a beleza da roupa era elogiada por todos. Ninguém queria contrariar o rei, desmanchando-se em elogios. Todos os aplausos eram para a mais linda roupa real construída até aquele momento.

Em Nenhures todos olhavam extasiados para a esplanada do planalto. Eram pessoas que gostavam de pão e circo. Desnudo, o rei andava orgulhoso de seu traje. Todos os ministros do reino foram juntos. As roupas de todos eram coloridas. Nenhuma era tão bonita quanto as novas roupas reais. Na passagem todos aplaudiam, Todos: menos as crianças. Elas gritavam aos seus pais: o rei está nu, o rei está nu, o rei está nu. Algumas recebiam puxões de orelha, outras recebiam safanões. O rei cumprimentava a todos. Estava orgulhoso. A gritaria escondia o que as televisões mostravam em suas telas, com estatísticas de morte elevadas devido à pandemia, desmatamento de suas florestas e seu ministro de saúde, dizendo que tudo aquilo eram mentiras: intrigas da oposição, enquanto escondia relatórios com estatísticas desfavoráveis.

Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Esta é a realidade no qual a verdade está escondida e na qual muitas pessoas irão morrer, até que se enxergue o que a pandemia mostra: um país totalmente sem comando.


[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Novil%C3%ADngua#:~:text=Novil%C3%ADngua%20ou%20novafala%20%C3%A9%20um,restringir%20o%20escopo%20do%20pensamento.

Antonio Siemsen Munhoz é Doutor em Engenharia de Produção, Bacharel em Engenharia Civil, Especialista em Tecnologias Educacionais, Pós-graduado em Gestão Eletrônica de Documentos, com MBA em Design Thinking


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